(discrição, pausa e moderação)
Ela diz com olhos brilhantes que o livro é lindíssimo e não consegue conter o seu entusiasmo. Perde-se nas palavras, nas páginas, ouve os risos, o barulho do vento a uivar na janela e consegue até enxergar os penhascos. Ela está tão apaixonada pelo que lê que esquece o mundo ao redor. O verdadeiro antídoto para o desconsolo. Quando adormece, pensa no que leu. Sonha e vive.
Quem a ouve não entende, não consegue perceber o porquê do seu entusiasmo. Algo inventado pode ter tanto poder assim? A felicidade pode estar ali, num conjunto de páginas? Talvez não, mas ela não quer pensar profundamente nisso. Pensar a felicidade, invalida-a.
Quando ela fala sobre a sua paixão, não é compreendida. Durante alguns minutos, a sensação é de frustração. A incompreensão é uma estrada solitária. Depois conclui que sempre seria assim, sempre soube que o seu caminho seria solitário, sempre soube que a sua caminhada seria marcada por este distanciamento. Eles não entendem e não vêm sequer a necessidade de tal empreendimento.
Eles não sabem, talvez nunca saberão, que alguns livros tem o poder de nos depir completamente ao revelar o que somos e até aquilo que não queremos ver em nós mesmos. Como é possível nos revermos num estranho/a como se fosse um espelho? Como é possível que aquilo que um desconhecido escreva possa partir uma pessoa em mil pedaços? Como é possível que haja esta comunhão de direcções?
Eles não sabem, talvez nunca saberão - e a verdade seja dita, não estão minimamente interessados em saber - que ela não consegue ter a coragem de ler todos os livros do escritor que mais ama. Cada palavra que lê dele é uma mistura de revelação, dor e deslumbramento. A consciência de si própria não é algo a ser encarado com leveza. De forma que, ela tem tentado adiar o inevitável. Tem lido com discrição, pausa e moderação. Ao contrário de tudo o que lê, usualmente com sofreguidão.
"Eu sei quem eu sou", ouço-a.
Eles não fazem a menor ideia.