(sobre o dia)
Que o dia termine antes que seja tarde demais. Que o dia seja o mais breve e o mais silencioso possível. Apaguem as luzes. Desliguem os carros e os televisores. Esqueçam tudo o que viram e o que ouviram. Esqueçam as conveniências. Acompanhem o percurso das nuvens, encaminhem o olhar para longe do que alcançam e tentem agarrar aquele momento em que o céu divisa o dia com a noite em tons de púrpura e de rosa.
Que o dia termine porque talvez seja cedo demais. Que o dia seja o mais longo possível e perplexo. Coloque pé ante pé na estrada morna e cheia de pó. Pasme-se diante do absurdo e confirme a perplexidade do vazio. Desta tarde infinita, retenha instantes de ternura. Ouves? Apesar do silêncio, ouves? Apesar da distância, ouves? Apesar de todo o barulho que te cerca, neste momento, ouves? Consegues ouvir?
Consegues?
Que o dia termine. Mas que não se desfaça a lembrança. Não se rompam com as memórias. Não se apaguem as pegadas dadas.
Que o dia termine: nas tuas mãos, está fazer deste dia o prefácio do que vem a seguir.