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Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

80 Anos.

30.09.15, a dona do chá

Tenho saudades das mãos. Elas transmitiam segurança. Os dedos eram longos e as unhas bem desenhadas. Mãos que trabalharam a vida toda. Mãos que corrigiram e que acarinharam. Mãos, as tuas mãos. Mesmo maltratadas, eram mãos que conheceram muitos abraços. Há um profundo vazio onde deveria estar o teu abraço e o andar de braço dado contigo pela rua. Até ao fim, custou-me largar as tuas mãos.

Tenho saudade do sorriso. Era um torcer o canto da boca enquanto os olhos acompanhavam o mesmo movimento. Os olhos reflectiam esse sorriso. Quando gargalhava, toda a barriga dele mexia junto. Era engraçado, ele gargalhava com a barriga e meio que fazia um som semelhante a um ronco. Ele era sonoro e luminoso a sorrir e a rir. Então, eu brincava sobre a gargalhada dele e imitava o seu “pseudo-ronco-riso” e acabava por chorar de rir com ele. Tenho saudades disso, de chorar de tanto rir. Faz muito tempo.

Hoje o meu pai faria 80 anos. Ele não está aqui. Ultrapassou o ponto final da vida. Morreu. É duro não tê-lo aqui ao lado, numa data que ele sonhava alcançar e que eu sonhava viver com ele. Sim, testemunhar este dia seria um marco: vê-lo conquistar 80 anos, com seus cabelos brancos e jeito de menino traquina. Os seus cabelos, cujo apelido carinhoso era “cabelos de poeta”. O meu indestrutível pai. Aquele que passava por todas as mazelas da vida e resistia. Enquanto estou aqui, sozinha, relembro tantas frases e momentos. Tanta coisa, tanta coisa.

Tenho saudade dele. Há dias em que quase lhe ouço a voz. Noutros, quase estanco porque parece que ele vai virar a esquina no seu passo lento e compassado. A saudade prega-nos peças e o coração, órgão de fogo e de fúria, é por vezes um grande enganador. A vida e o tempo passam e é incontornável que a conclusão seja o esquecimento. A raiz do que somos fecundará inexistência. Há esta impossibilidade de celebrar os 80 anos do meu pai. Mas enquanto for possível, honrarei o seu nome e a sua memória: meu pai, meu amigo, meu conselheiro. 
 
Tenho saudade de dizer-lhe “bom dia! sabes que dia é hoje...?”.

Sombria coisa.

29.09.15, a dona do chá

A consciência é o caos das quimeras, das ambições e das tentativas, é a fornalha dos sonhos, o antro das ideias vergonhosas: é o pandemónio dos sofismas, o campo de batalha das paixões. Penetrai, em certos momentos, através da face lívida de um ente humano absorvido pela reflexão e olhai para além, observai-lhe a alma, contemplai-lhe a escuridão. Há ali, sob a superfície límpida do silêncio exterior, combates de gigantes como em Homero, brigas de dragões, de hidras, e nuvens de fantasmas, como em Milton, espirais visionárias como em Dante. Sombria coisa é o infinito que todo o homem contém em si e pelo qual ele regula desesperado as vontades do seu cérebro e as acções da sua vida!

Victor Hugo, Os Miseráveis

Dos abraços e da saudade

16.09.15, a dona do chá

Esta saudade que arrasta o coração para o terreno da inconformidade. O que seria excelente: estar perto e dentro de um abraço apertado. 

Os dias passam. O tempo percorre esta longa estrada. Quando te dás conta, somas anos e décadas. É assim a ordem natural das coisas. Passas a ter uma série de episódios arrumados na gaveta das memórias e, meio que sem querer, passas a visitar com frequência essa mesma gaveta. Não há problema nenhum nisso. Recordar é tornar presente um sentimento de constância. 

Hoje, mais do que nunca, sei que estar presente fisicamente não significa em nada ter/receber mais afecto. Hoje, mais do que nunca, sei de onde vem o amor. Então mesmo que exista um oceano de distância, que existam obstáculos e que a vida nos afaste, mesmo assim, o amor está lá. Vivo, real e presente. E, por tudo isso, qualquer outra coisa menor, triste ou má se desvanece diante desta grande verdade.

 

(...)

14.09.15, a dona do chá

O Verão é bom. Nele tudo é luminoso: os dias são longos e ensolarados. As pessoas andam despreocupadas e leves. Todas as estações têm a mesma duração, mas o Verão passa num piscar de olhos.

Apesar de tudo isto, não me deixo impressionar pelo Verão. É quase um metáfora, uma ilusão - brevidade e desvanecimento. A sensação de calor que dura tão pouco, tão pouco.

O Outono já está à espreita e isso faz-me feliz. O Outono condiz mais com a minha natureza: melancólico e silencioso. Não me agrada que os dias sejam menores, é bem verdade; mas encontro alegria no recolhimento.