80 Anos.
Tenho saudades das mãos. Elas transmitiam segurança. Os dedos eram longos e as unhas bem desenhadas. Mãos que trabalharam a vida toda. Mãos que corrigiram e que acarinharam. Mãos, as tuas mãos. Mesmo maltratadas, eram mãos que conheceram muitos abraços. Há um profundo vazio onde deveria estar o teu abraço e o andar de braço dado contigo pela rua. Até ao fim, custou-me largar as tuas mãos.
Tenho saudade do sorriso. Era um torcer o canto da boca enquanto os olhos acompanhavam o mesmo movimento. Os olhos reflectiam esse sorriso. Quando gargalhava, toda a barriga dele mexia junto. Era engraçado, ele gargalhava com a barriga e meio que fazia um som semelhante a um ronco. Ele era sonoro e luminoso a sorrir e a rir. Então, eu brincava sobre a gargalhada dele e imitava o seu “pseudo-ronco-riso” e acabava por chorar de rir com ele. Tenho saudades disso, de chorar de tanto rir. Faz muito tempo.
Hoje o meu pai faria 80 anos. Ele não está aqui. Ultrapassou o ponto final da vida. Morreu. É duro não tê-lo aqui ao lado, numa data que ele sonhava alcançar e que eu sonhava viver com ele. Sim, testemunhar este dia seria um marco: vê-lo conquistar 80 anos, com seus cabelos brancos e jeito de menino traquina. Os seus cabelos, cujo apelido carinhoso era “cabelos de poeta”. O meu indestrutível pai. Aquele que passava por todas as mazelas da vida e resistia. Enquanto estou aqui, sozinha, relembro tantas frases e momentos. Tanta coisa, tanta coisa.