(Três Corações | 1)
Impressões sobre a gravidez
- O começo -
Cinco dias antes do meu pai morrer, descobrimos que estávamos grávidos. Há um ano atrás, neste mesmo mês. A fazer bem os cálculos, a concepção teria acontecido por estes dias: fim de Março ou início de Abril. Pode-se dizer que a vida é curiosa e até um tanto irónica já que num mesmo mês concebemos, descobrimos a gestação e, por último, o meu pai partiu. Olhando bem para tudo o que aconteceu, enxergo o quão improvável seria isso acontecer. Haverá um valor estatístico para esta improbabilidade?
Sinceramente, eu só conseguia pensar "Porquê agora?". Não podia adivinhar que o meu pai morreria em tão pouco tempo embora soubesse que o seu quadro apontasse para a inevitável partida. Mas nestas coisas a racionalidade só existe nos factos e não queremos aceitá-la tal e qual ela é; pelo contrário, queremos a racionalidade apenas para podermos entender os "porquês" que nos dilaceram o coração. Andava de braços dado com esta interrogação como se este abraço pudesse resolver tudo. Mas a verdade, crua e irrevogável, é que a única resposta que existe para o insistente "Porquê?" é um incontornável "Porque sim".
Deus dá, Deus leva. A vida dá, a vida leva - esta verdade simples é muito difícil de ser entendida.
Ainda hoje interrogo-me sobre o que eu poderia ter feito para o meu pai viver mais um dia e o porquê do meu pai não ter vivido para ver e conhecer o neto. As coisas não funcionam do jeito que queremos. Podemos e devemos sonhar, planear e lutar; mas certo é de que a vida não é prisioneira dos nossos desejos e anseios. Há tanta coisa que nos ultrapassa. Tanta coisa…
Quando eu olhei para a inscrição no teste, o resultado "grávida" já era uma realidade. Eu, intimamente, sabia; mas não queria saber. Ali, sozinha, com o teste nas mãos, facto confirmado, senti os meus lábios se torcerem num sorriso involuntário, incontrolável, transbordante. Não somos mais os dois que se tornaram um. A matemática da existência baralhou-se e agora somos dois que se tornaram um mas que vieram a ser três. Três corações.
"Tenho três corações a bater dentro de mim… Três…".
Três corações e um começo.