(365 Palavras | [6] cura)
*Cura
(latim cura, -ae)
Estes dias de viver em suspenso. Estes dias que não são dias. Que não são um acúmulo de horas, minutos e segundos. Estes dias que não o são. Existem, têm passado, mas não são. Será um erro de escrita? Uma insanidade? Mas este tempo - que pode ser um conjunto de dias, não sei bem - existiu/existe e persegue-me. Não posso esquecê-lo. Está entranhado na pele e sinto-o; mas duvido que tenha sido sido real. E não há nada mais concreto do que isto. Há a memória: cada imagem, cada palavra soletrada e sussurrada, cada vez que o conduzi pelas mãos. Há a memória e ela está impregnada. Toma posse das noites. Interrompe o sono. Invade os sonhos.
Dizem que os dias existem e que a passagem metódica e sistemática deles conduzem à superação de qualquer coisa. Como se fosse uma milagrosa cura. Um dia acordamos e lá está ela, a memória sossegada pelo dito Senhor Tempo. Não sei se acredito nisto. Parece-me daquelas coisas que se dizem para transmitir consolo mas que, no fundo, sabemos não ser bem assim.
O coração, este órgão de fogo e de diferentes intensidades, não cede aos ditames do tempo. Não se deixa esbater pela memória. Ele pulsa, contrai e traduz cada momento vivido. Desde o primeiro dia. Todos os arrependimentos, todas as palavras não ditas e todas as coisas que poderiam ter sido e não foram.
O coração não consegue depurar isto dos dias que foram mas que não chegaram a ser. O coração pulsa, contrai e traduz diferentes intensidades e simultâneos sentimentos. E, no meio disto tudo, o coração sofre com a memória e sabe que o Senhor Tempo não poderá fazer nada para mudar o que já passou. O vazio. Ele simplesmente terá de aprender, de alguma forma que não sabe bem se existe, a conviver com a memória no sentido de ter uma vizinhança civilizada.