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Hoje é daqueles dias em que estou grata por ter criado este blogue.
É a minha almofada virtual.
cantilena |ê| *
s. f.1. Canto arrastado e monótono.2. Narração ou razão fastidiosa.3. [Antigo] Canto suave.4. Canto das aves.5. [Informal] Palavreado astucioso para iludir, enganar.
A verdade é sempre incómoda. Nunca pertence ao próximo. Pensamos que a possuímos, que somos seus donos por excelência. Pressupomos que viveremos eternamente e que usufruiremos de uma redentiva misericórdia que nos impedirá de sofrer. Quem sabe nos livrar da morte. Quem sabe excederemos o limite razoável da nossa capacidade de compreender o amor e a vida. Inspiramos e expiramos em movimento contínuo. O peito ondula ao ritmo do sono irregular. As palavras desprendem-se como um vestígio entre dentes. Lábios que sopram sonhos como se fossem realidades momentâneas. Olhar fixo, longínquo e lento.
-Vês os desenhos na janela?
- Quais desenhos?
- Não consegues ver…?
- Não são desenhos, são os galhos despidos das árvores no parque lá fora. Eles estão a riscar o céu… Parecem-te desenhos? Sabes, se calhar, até tens razão… são desenhos.
Observo-lhe o sono: pequenos rugidos disformes. A sua sonolência é uma expressão da sua própria amargura: uma verdade desfocada. Exasperada. Dissolvida em pequenas doses de frases soltas. Fogem-lhe quase que inconscientemente. Pairam no ar numa cantilena rouca, grave e quase inaudível.
Inspira e expira. Vozes, muitas vozes. Mas há um silêncio que se assume acima do ruído e que se entrelaça com o vento. Os galhos secos balançam e apontam para as fronteiras do azul-celeste. Dedos estendidos ao horizonte. Mãos que se erguem e movem-se com leveza. Se fecharmos os olhos vemos esta pintura exposta na janela e esqueceremos os ruídos e as verdades incómodas.
Não há recordação que não possa ser relegada à moldura do esquecimento. Então, a verdade não é tão importante assim. A amargura é o vilão dos afectos. Envenena os seus olhos e prende-lhe a respiração. Tem de inspirar e expirar. Lentamente. E esquecer, esquecer. Tomar o fólego e estender por completo o que de melhor ainda pode abraçar.
Ainda há tempo.
Ele não sabe, mas ainda há tempo.
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Para além do prazer de reler Orgulho e Preconceito e de fazer esta Leitura Comparada, há ainda o prazer de ver o resultado da leitura.
Se há algo que me faz sorrir é ver que Raquel chamou a atenção para detalhes que eu não vi e que despertaram em mim uma imensa vontade de ir correndo alcançar as traduções e rever os trechos. Chega a ser uma alegria infantil de redescoberta.
Acompanhem a leitura da Raquel Sallaberry no seu blogue Jane Austen em Português. Este é o 1º texto da Leitura Comparada Brasil-Portugal:
Orgulho e preconceito · Leitura comparada Brasil-Portugal · Capítulos 1 a 5
Esta aventura ainda vai no início e sei de antemão que será um percurso de muitas descobertas.