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Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

( o imperativo da realidade )

29.04.11, a dona do chá

O dia ensolarado não fazia sentido. Ele se metamorfoseou em céu em fúria: nuvens densas, cheiro intenso a ausência, escuridade, trovões e chuva.

 

Havia um silêncio. Cabeças curvadas. Olhares no vazio. Olhares que percorrem sem ver. Olhares que desencontram-se. Ritual, sequência e flores. Palavras ditas. Palavras que alcançam o ouvido de quem quisesse ouvir. Palavras para dizer que temos porquês para os quais não existem respostas. Palavras de consolo. Palavras de alerta. Quem presidia a cerimónia disse: “curvamo-nos diante do imperativo da realidade”. É bem verdade. O imperativo da dor lancinante. Palavras que chegam aos ouvidos e dizem que uma tragédia como esta faz-nos pensar nas nossas próprias escolhas, que a morte não escolhe idade e que temos de pensar no que queremos ser enquanto pessoas. Sim, o imperativo da realidade faz-nos curvar e descer abaixo de nós mesmos. O eu, o ego em êxtase, murcha como as pétalas das flores dedicadas ao menino e dá lugar a solidariedade.  O eu é substituído por outros pronomes pessoais.

A marcha seguiu gradual, compassada e repleta de pessoas. Todos pelo meio da rua. Carros parados. Transportes públicos parados. Muitos óculos escuros a esconder a lágrima discreta e a reserva dos sentimentos. Um silêncio profundo. Parecia que o mundo tinha parado a sua rotação. O silêncio de homenagem. O silêncio da reflexão.

Surge-me o pensamento de que uma das características de se morar num meio pequeno é o de, em situações como esta, a comunidade exercer um grande cordão de humanidade. O trânsito pára para deixar passar aquele que partiu, aqueles que ficam com a dor e aqueles que homenageiam.

O céu, as nuvens, as árvores, uma brisa fria – estranhamente fria – e o passo lento. Aguardava-se. Mantinha-se a distância devida para a preservar a despedida. No momento derradeiro há o último olhar. Joga-se terra. Jogam-se flores. Muitas flores brancas. Muitos jovens alterados. Muitos idosos com a resignação da experiência. Joga-se terra. Pás riscam em movimento. E mais flores. Venta mais. Parece que sente-se mais frio.

 

O dia ensolarado não fazia sentido. Não fez.

O dia curvou-se perante o imperativo da realidade.

(...)

15.04.11, a dona do chá

"Gosto de imaginar que tudo vai correr bem. E mesmo quando não acredito invento uma máscara e mostro-a sem receios, apresento aos espectadores um teatro de optimismo que aos poucos me torna em crente. Mas hoje, fui assaltada por dúvidas, eternas dúvidas. A apatia geral que me provoca o calor, afundou-se ainda mais no dia de hoje por mergulhar nas profundas águas da incerteza. Tenho muito medo daquilo que poderei (quiçá) ter de deixar para trás. Uma antecipação idiota, sem dúvida. Mas a expectativa esmoreceu em contraposição aos termómetros que à medida que aumentam, acentuam este desespero calado. Hoje não há máscaras."

 

escrito por Clara, Malmequer de Outono

( a distância e o amor )

14.04.11, a dona do chá

"são 00:42, a minha razão não me deixa escrever com a tua razão. o que se passa é o seguinte, passamos horas do nosso dia sem nos vermos, sentimos falta um do outro, mas a razão atrapalha. temos vivido alguns dias de muito "tu", de muito "eu", mas na verdade os dias que eu mais gosto são os "nós".não percebo o que se passa, será que sou eu que sou impaciente ou és tu? lá está, voltamos ao eu e tu,  e porque não somos nós? Nós somos impacientes, nós cometemos erros, nós não nos ouvimos, nós não percebemos, nós estamos tristes, nós não dormimos. soa tão menos mau assim, não soa? não estou bem, peço desculpa pelo desabafo. a conversa de hoje foi difícil... "

 

escrito por Beadriana

(desmembramento)

13.04.11, a dona do chá

Apenas precisava de uma mochila.

Apenas precisava de uma mochila e de umas sandálias nos pés.

Apenas precisava de uma mochila, de umas sandálias nos pés e de um horizonte.

 

Queria poder abraçar o inesperado e romper com o rotineiro desmembramento das horas. Pés, olhos, mãos, vida, sonhos e o que vem depois? Há este sabor ácido a realidade e a destemperança. Há também árvores podadas e solo revolvidos. Onde há terra haverá, por consequência, colheita.

 

Apenas precisava de uma mochila e a terra entre os dedos. O sol como um rumo. Mochila, sandálias, horizonte, sol, horas, pés, olhos, mãos, vida, sonhos; e o que vem depois?

 

Há o insensato, o ruir das cartas, as paredes caiadas, o pó, a cinza. Há este pedaço de relvado e esta sombra no asfalto. Apenas precisava de uma mochila e de sentir os pés no asfalto. Os pés a queimar. Os pés que caminham. Os pés que caminham e entranham-se no andar. Os pés que levam aos olhos o decrescente do presente.

 

Terra, estrada, asfalto, rumo.

Uma mochila, umas sandálias, um sol, os pés, os olhos e de mãos dadas contigo.

Não olharíamos para trás.

( o calor e a memória )

07.04.11, a dona do chá

 

Está um calor invulgar para este tempo e involutariamente lembro-me de outras paragens. Lembro-me do calor do Rio. A memória voa pelos rostos do meu irmão, da minha cunhada, sobrinhos, primas, padrinhos e amigos. A memória tem esta característica de nos fazer voar e reviver. A memória tem esta coisa boa que é fazer o coração bater mais rápido e rugir impiedosamente. A memória, por assim dizer, redimensiona a realidade. Dilata-a. Sim, há o aqui e o agora mas também somos o que já foi vivido. Esquisito, não é? O que vivemos também é nossa pertença e as pessoas com quem convivemos continuam dentro de nós. Elas também são o presente. O amor e a memória andam de braços dados. 

No dia em que tirei esta foto, estava calor como o de hoje. A memória, ao contrário do que se pensa, tem este atributo de ser palpável e reconstituível na retina do pensamento.

( clube de leitura )

06.04.11, a dona do chá

- fim de uma etapa -

 

[imagem retirada daqui]

 

No passado domingo, estivemos a discutir "Persuasão" de Jane Austen no Clube de Leitura. Eu, Cássia, Laís, Marina e Ninaconseguimos terminar o ciclo Jane Austen. Durante o percurso tivemos oportunidade de trocar ideias, de manisfestar concordâncias e discordâncias. O saldo final, para mim, foi excelente. A partilha e o aprendizado foram sentidos a cada encontro. Inclusive, diverti-me imenso.

 

Da (re)leitura de "Persuasão" permaneceu esta grande paixão que tenho por este livro. É o livro que eu mais amo de Jane Austen. Posso admitir que muitos digam que não é considerado o melhor. Porém é aquele que toca o meu coração e que possui a personagem com a qual eu mais me identifico: Anne Elliot.  Para além disso, tem a carta mais profunda e angustiada escrita, dentre todos os livros que eu já li. Aliás, as cartas são uma elemento comum nos livros de Jane Austen. Quando Jane diz, através de Wentworth, "you pierce my soul" os meus olhos ficam marcados pela intensidade que a frase contém. Sem dúvida, uma grande obra. Uma grande escritora.

 

Agora, o Clube de Leitura vai entrar numa nova fase. Penso que será interessante e, confesso, já estou ansiosa. O próximo livro será "O amor em tempos de cólera" de Gabriel Garcia Márquez. Dizem que eu vou amar. Eu acredito.

DESAFIO | Bicentenário "Sense and Sensibility" #8

05.04.11, a dona do chá