( Sobre o que é realmente importante #2 – ou “este país não é para velhos" )
A A.L. caminhava pelas ruas do centro do Porto e deu com um senhor idoso encostado ao muro da estação da Trindade. Chamou-lhe a atenção porque ele aparentava não se sentir bem. Então, ela se aproximou e começou a conversar com ele.
Era um senhor de 72 anos, que vinha do tratamento de quimioterapia do Hospital São João. Ele estava exausto do tratamento, sem comer, sem dinheiro para transporte, viúvo e sem filhos e, por isso, estava sozinho. Completamente sozinho. Caminhava no seu passo lento. Como ele não tinha dinheiro, fazia o percurso a pé para voltar a casa. Outro detalhe importante é que a casa dele é em Gaia. Outro detalhe, ainda mais importante, como o Hospital São João é no Porto e ele mora em Gaia, o hospital não lhe assegurava o transporte. Relembro: um senhor de 72 anos, sozinho, sem dinheiro no bolso, a morar noutra cidade e com cancro. Tem de ir a pé. Se quer se tratar tem de ir a pé.
A A.L. disse-me “Não pude fazer muito. Seis euros e compaixão”. Ela deu-lhe o cartão com o seu endereço e ofereceu-lhe ajuda. “O homem tinha tanta dignidade”. Diz-me que estes episódios acontecem-lhe constantemente. Pergunta-me: “Porque eu? Sou diferente? Não. Apenas páro. Só parei.”. És diferente e fazes a diferença, afirmo-lhe.
“Eu sou infeliz pela humanidade em si. Tenho pena das pessoas, mas não é pena das que estão na miséria. Tenho pena das pessoas que têm o suficiente para não se interessarem pelas demais. Só nos temos uns aos outros e estamos todos a falhar”.
É bem verdade o que ela diz. Entendo-lhe a revolta.
Poderão, os que lêem esta breve nota, encarar esta revolta como ingenuidade. Dizer que o mundo é assim mesmo: cruel, desumano, sujo e injusto. Sabem, antes ingénua do que anestesiada. Antes ingénua do indiferente. Antes abraçar a causa dos que sofrem do que perder-me na frieza. Talvez não se possa mudar o mundo, mas acredito que se possa alterar a rotação do universo de uma pessoa. Eu acredito no valor de um gesto de amor.