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Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

(sobre o dia)

30.07.10, a dona do chá

Que o dia termine antes que seja tarde demais. Que o dia seja o mais breve e o mais silencioso possível. Apaguem as luzes. Desliguem os carros e os televisores. Esqueçam tudo o que viram e o que ouviram. Esqueçam as conveniências. Acompanhem o percurso das nuvens, encaminhem o olhar para longe do que alcançam e tentem agarrar aquele momento em que o céu divisa o dia com a noite em tons de púrpura e de rosa. 

Que o dia termine porque talvez seja cedo demais. Que o dia seja o mais longo possível e perplexo. Coloque pé ante pé na estrada morna e cheia de pó. Pasme-se diante do absurdo e confirme a perplexidade do vazio. Desta tarde infinita, retenha instantes de ternura. Ouves? Apesar do silêncio, ouves? Apesar da distância, ouves? Apesar de todo o barulho que te cerca, neste momento, ouves? Consegues ouvir? 

Consegues?

Que o dia termine. Mas que não se desfaça a lembrança. Não se rompam com as memórias. Não se apaguem as pegadas dadas. 

Que o dia termine: nas tuas mãos, está fazer deste dia o prefácio do que vem a seguir.

(identidade)

22.07.10, a dona do chá

quando ouço a voz a dar a notícia fico por instantes estática. ouço a voz e sei, antes mesmo de saber, que não será uma boa notícia. pouco a pouco, temos desaparecido. gradualmente a vida segue o seu rumo. inclusive a morte. diante dela, como é mais do que sabido, não há nada a fazer. os corredores e as esquinas da memória se movimentam dentro de mim. quase posso ouvir as risadas e as correrias com as minhas primas e primos. estou aqui, sentada e assisto a tudo. alguns tios brincam connosco, inclusive este, que partiu. o que mais lembro deste tempo são justamente as gargalhadas, os sorrisos e os risos. não tínhamos tudo, mas tínhamos esta relíquia: conviver em família com gargalhadas, sorrisos e risos. e era tão bom... lamento que a distância não me tenha permitido vê-lo mais. gostaria de ter dado um último abraço, um último beijo, uma última gargalhada. sei que ele foi cuidado e acarinhado. sei que ele viveu talvez mais do que teria sido possível. mas, por vezes, esta ausência e esta distância impedem-me de viver e vivenciar tantos momentos.

 

tempo. memória. passado. infância. família. saudade.

 

depois ouvi a minha voz a dar a notícia ao meu pai. ele ficou estático. ele ouviu a minha voz e soube, antes mesmo de saber, que não seria uma boa notícia. pouco a pouco, temos desaparecido. gradualmente, a vida segue o seu rumo. inclusive a morte. diante dela, como é sabido, não há nada a fazer. ele percorreu as suas lembranças, disse "ele era mais novo do que eu" e "quantos somos agora?" e "mas como é que aconteceu?". então, como se eu estivesse a consolar uma criança tentei explicar da melhor maneira. tentei explicar sem explicar muito. tentei amenizar. e ele, com olhos de tempo e distância, ficou parado. calado. cabisbaixo. olhar perdido. olhar que já viu o mundo e que já viveu muitos dias. no fundo, ele lamenta que a distância não o tenha permitido ver o seu irmão mais vezes. ele gostaria de ter dado um último abraço, um último beijo, uma última gargalhada. ele sabe que o irmão foi cuidado e acarinhado. sabe também que ele viveu talvez mais do que teria sido possível. mas gostaria de ter-lhe dito, nem que fosse só uma última vez: "rapaz, tem juízo...pensa na tua vida". o meu pai, com rugas e olhos perdidos de menino, chora pela ausência.

 

e permito-me agora, sozinha, chorar pelo tio que partiu. permito-me contar quantos somos ainda. permito-me amar intensamente. permito-me saborear a saudade como fosse uma água fresca. permito-me bebê-la até ao fim. permito-me lamentar a ausência, a distância e os tempos estranhos. permito-me recordar cada momento da minha infância e dos meus dias em terras onde a cigarra canta com mais força. onde o sol lavra cada pedaço do chão. permito-me fortalecer as minhas raízes que me sustentam e que fazem de mim parte de quem eu sou.

 

permito-me amar o meu passado e a minha identidade.

(vestígios de casa)

07.07.10, a dona do chá

Não há intervalos. Não existem tréguas. O sol escorre pela manhã e invade cada centímetro do chão. Apropria-se das paredes. Percorre as árvores. Aloja-se nos grãos da areia da praia. Este calor não é algo desconhecido. Faz lembrar outros dias. Faz lembrar outros cheiros e outros aromas e outras paragens. Faz lembrar dias de sol da dimensão do nosso olhar em direcção ao horizonte. Faz lembrar dias em que o sol era o nosso hóspede constante. O pó da terra se misturava ao calor da pedra do solo, as cigarras guerreavam entre si e a árvore lá no alto da colina era a promessa de dias futuros e desconhecidos. O sol como companheiro de brincadeiras e sonhos. Subia-se o muro de casa e equilibra-se no seu estreito caminho. O sol fazia do corpo a sombra e caminhava no mesmo passo. A grande amendoeira seria o seguro amparo em caso de queda. Lá caminhava-se. Estes dias fazem-me relembrar outros dias. O sol, o céu, o cheiro acre, o cheiro intenso, o cheiro a terra. A chuva após o sol, o sol após a chuva. As noites sufocantes. As noites de lua bem aberta, mas com a lembrança do regresso do sol. As noites silenciosas e gritantes. Nunca mais se adormece. Nunca mais é dia. Os dias, estes dias, os dias passados, os dias futuros. Não há intervalos. Não existem tréguas. O sol, o calor, o cheiro, as cigarras, a terra, as árvores, as nuvens, os dias, os sonhos, a chuva. Tudo se repete, tudo se refaz, tudo se renova. A colina ficou nestes vestígios de casa. Mas o horizonte vai além. Além do olhar. Além do sol.

( ... i love you )

02.07.10, a dona do chá

Por estes dias, assisti a dois filmes que têm algo em comum: em ambos a história é composta por “micro-histórias” que se entrelaçam e derivam num tema geral. Mas é só mesmo isto que têm em comum. Um deles foi “Dia dos Namorados” e o outro “New York, I Love You”.

 

O primeiro foi uma grande decepção. Eu até aprecio comédias românticas, mas esta achei tão fraca e enfadonha. E chateou-me ainda mais por ter uma série de actores e actrizes que aprecio tais como a Jennifer Garner, Jessica Alba, Ashton Kutcher, Bradley Cooper, Anne Hathaway, Topher Grace, mas mesmo assim eles não salvam o filme. É aquele tipo de filme bonitinho, mas que não tem substância. Falta algo, alguma química. Não sei bem. A verdade é que eu fiquei decepcionada.

 

Já com o segundo filme, "New York, I Love You", o sentimento foi completamente diferente. Um filme excelente. Texto, elenco, fotografia, tudo excelente. Com uma mão cheia de actores e actrizes que eu adoro: Andy Garcia, Orlando Bloom, Natalie Portman, Julie Christie, Eli Wallach, entre outros. Como o próprio nome do filme anuncia, todas as “micro-histórias” decorrem tendo como pano de fundo Nova Iorque. Mas o que alinhava as “micro-histórias” umas nas outras são os sentimentos de enamoramento e de amor. Não há lugares comuns. Não encontramos clichés. Para mim, foi uma boa experiência assistir a este filme. Incita-nos à reflexão. Em alguns aspectos até se torna incómodo, mas de uma maneira que nos leva a viajar pelos labirintos dos relacionamentos.

 

Conclusão: Recomendo vivamente o filme “New York, I Love You”. Já “O Dia dos Namorados” só se não tiverem mesmo mais nada interessante para fazer.

 

A minha curiosidade em assistir o "Paris, Je t'Aime" saiu reforçada.