Dia 5 - intermédios
O dia seguinte foi semelhante ao dia anterior. A espera, os expectantes, as mulheres e os homens de branco e de batas verdes. Um calor insuportável. Um aquecimento desnecessário. Continua a chover. Continua a chover e quem saberá quando irá acabar? As páginas do livro não preenchem a atenção. As páginas em branco teimam em não serem escritas. As letras dançam na mente, cada palavra a ser escrita permanece na memória. Chegará o momento, a qualquer instante. Enquanto isso, a espera.
Aparece a mulher de branco a citar nomes, repete-se os gestos: vestir a bata verde, desinfectar as mãos e veja, lá está ele sentado lá ao fundo.
Enquanto caminho, sigo em sua direcção, sinto o ambiente opressivo dos intermédios. Luzes do tecto fluorescentes, pessoas que gemem, pessoas que reclamam da dor, pessoas prostradas em camas anónimas, pessoas ligadas a fios e mais fios. Lá estava ele. Olhar perdido. Olhar distante. Cabeça baixa. Sentado, de cabeça baixa. Um beijo no rosto. Ele aperta a minha mão e com os olhos em fogo diz que eu tenho de tirar ele daquele inferno. Fala, fala, fala. Coisas ao acaso. Coisas sem sentido. Quer se levantar e vir embora comigo. Ouve e vê coisas. Uma das mulheres de branco diz que é normal. Que é efeito da medicação. Eu penso “é tão fácil colocar a culpa na medicação”. É tão fácil. Complicado é fazê-lo entender que tudo o que está a acontecer vai passar. Que tudo vai melhorar. Que tem de ter calma. É complicado. O ar cada vez mais abafado e insistente. O barulho cada vez mais estridente. Dizem que ele vai descer para o quarto na enfermaria. Cada minuto de espera parece um passo no inferno. Entendo-lhe a queixa. Também eu não gostaria de permanecer lá naquele ambiente opressivo.
Três horas depois, descemos. A eternidade é, afinal, mensurável. Gradualmente, ele foi acalmando. Devagar. Confuso e devagar. Confuso, devagar e cansado. Eu: preocupada, cansada e desanimada. É certa a vitória do resultado, mas mesmo aí surgem momentos de desânimo. Momentos em que questionamos se vamos ser capazes de levar todo o processo adiante.
O pior já passou, penso. Eu te amo, paizinho; afirmo-lhe. Beijo-lhe a face, antes de ir embora. O pior já passou, digo-lhe.
O pior já passou - tento me convencer e não me esquecer.