Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

( contigo e sem ti )

30.11.09, a dona do chá

amanheço contigo e ainda o dia está escuro. ainda a manhã se retrai de frio e não acordou. a vontade de sair da cama é uma certeza que desejo adiar. implica enfrentar a tua partida. e isto é tão difícil como enfrentar este frio. a nossa cama, os nossos lençóis, os nossos olhares se cruzam com um adeus que permanecerá uns dias. um até logo que gostaria de passasse rápido mas que pesa. já sinto saudades tuas e só passou pouco mais de uma hora.

já o dia levantou-se tímido e lento. os carros, os passos, as crianças, as pessoas, tudo circula com a pressa incomodativa de uma segunda-feira pouco popular. temos de trabalhar, temos de estudar, temos de viver. temos de produzir.

contigo e sem ti, nesta tua breve e pequena ausência, a tua presença é esmagadora. nesta tua ausência sinto o quão grande e máximo tu és na minha vida. não me envergonho da minha fragilidade de dizer que sem ti sinto-me menor, incompleta e sem sentido. contigo, o mundo é apenas uma vírgula e todas as coisas seguem o seu rumo natural. mesmo a vida sendo complicada, mesmo havendo tantas dificuldades, tantos percalços, contigo sinto-me mais inteira.

contigo, meu amor. esta é a frase perfeita. a condição essencial.

(...)

25.11.09, a dona do chá

na hora de pôr a mesa, éramos cinco

 

na hora de pôr a mesa, éramos cinco:

o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs

e eu. depois, a minha irmã mais velha

casou-se. depois, a minha irmã mais nova

casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,

na hora de pôr a mesa, somos cinco,

menos a minha irmã mais velha que está

na casa dela, menos a minha irmã mais

nova que está na casa dela, menos o meu

pai, menos a minha mãe viuva. cada um

deles é um lugar vazio nesta mesa onde

como sozinho. mas irão estar sempre aqui.

na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.

enquanto um de nós estiver vivo, seremos

sempre cinco.

 

A Criança em Ruínas, José Luis Peixoto

( chão verde )

25.11.09, a dona do chá

 

- meia década
 
Já passou meia década. Ao pensar assim – “meia década” – parece que a ausência assume um peso ainda mais absoluto. Um peso e um vazio ( como é possível conjugar estas duas realidades? ). Tudo ocorreu de forma irresolutamente definitiva e taxativa. Não queríamos acreditar que poderia ser verdade, que aquela tragédia estaria a nos trespassar e esperávamos pelo milagre. Não tivemos tempo de digerir.
Passada meia década ainda permanece alguma inconformidade, a eterna saudade e, claro, o vazio. Quase sempre chove neste dia. Como um choro lento e silencioso. E a saudade que sentimos transborda pelos olhos fora. Escorre-nos pela alma.
Porque a amamos, ela nunca será esquecida. Ela é relembrada todos os dias. Mas, neste dia, evoco a lembrança de uma mulher que amava profundamente a sua família e a Deus. Uma mulher de grande dignidade, de cabeça sempre erguida, de olhos penetrantes, francos e honestos. Uma mulher que amava a justiça e que sempre lutou por aquilo que considerava justo e correcto. Uma mulher que defendia os desfavorecidos e todos aqueles que lhe pediam ajuda. Uma mulher de valores, que não se vergava diante das dificuldades e que não tinha qualquer constrangimento de enfrentar fosse quem fosse para atender a uma causa justa.
Em honra desta grande mulher, celebremos o ser família.

( o coração é um órgão de fogo )

25.11.09, a dona do chá

Tenho tido sonhos estranhos. Pesadelos. Confesso, incomoda-me ter pesadelos. Andei duas semanas seguidas a ter constantes pesadelos, que culminaram no passado fim-de-semana em dois sonhos seguidos com o meu pai. Dois pesadelos muito nítidos, dos quais até agora me lembro de cada detalhe como se tivesse vivido cada situação. A minha aflição foi tanta que acordei e não consegui dormir mais. Acordei a sentir o coração do pai batendo contra o meu e eu a tentar salvá-lo. Acordei sem saber se era noite, madrugada, sábado, domingo, o que fazer e o que pensar. Nesta segunda-feira veio a notícia: a operação foi marcada. Será em Janeiro. O meu coração disparou e não consegui parar as lágrimas. Lembrei-me dos pesadelos de imediato. Premonição? Abracei-me ao Gualter e comecei a chorar. Silenciosamente. Não conseguia parar de chorar. Mandei uma sms ao meu irmão F. . Mandei um email ao meu irmão A. . Mandei outro email aos meus amigos. Ninguém tinha coragem de dizer a ele, ao meu pai, que a operação foi marcada. E mais uma vez, fui eu quem teve de dar a notícia.

Então eu cheguei a conclusão muito simples: a indefinição é lenta e dolorosa, mas a definição com data marcada é atroz. Todos me dizem que tudo vai correr bem e eu entendo que acreditem e que desejem isso. Mas a vida tem cambiantes. Eu, na minha maneira de ser, tenho lutado para mantê-lo bem e também para me preparar para o que poderá acontecer. E a morte é uma das alternativas. Cada vez que penso nisso o desespero é uma certeza, porque nunca estamos preparados para uma perda destas. E, ao mesmo tempo, inconformo-me e penso se todo nosso esforço terá sido em vão. E acreditem, não é fácil de lidar com o meu pai. De génio forte, autoritário, orgulhoso e teimoso. Mas também doce, generoso e afectuoso. Um dos poucos homens que eu conheço que não se envergonha de chorar. Mas incapaz de dizer “eu te amo”. Um homem que ainda sonha viajar e que planeia vir a comemorar as suas bodas de ouro com a minha mãe. Sorrio quando ele diz isso. Mas, às vezes, quase sempre, ele não luta por ele próprio. Pela saúde dele. E eu fico triste e desolada. E eu me pergunto, o que eu, o que nós, podemos fazer mais? Bem sei que não está nas nossas mãos, mas o que podemos fazer mais??
Acreditem, eu não possuo respostas. Sou infinitamente cheia de falhas. Herdei grande parte do mau feitio do meu pai. Mas, na ausência de respostas concretas, idealizei alguns paliativos. Não poderei interferir no destino do meu pai, não lhe posso curar o coração, contudo, tenho como missão tornar os dias até a operação nos melhores dias dele. Transformar este Natal que se aproxima, mesmo sabendo que pode ser o último dele, num ambiente de grande alegria. Mesmo com alguma tristeza, que eu já sinto e que sei que vou continuar a sentir, tenho de esquecer de mim e me focar nele. Ele é quem interessa. Dias depois da passagem de ano ele será operado e eu quero que seja os meus olhos que ele veja antes de entrar na sala de operações. E que ao olhar-me nos olhos se lembre de todos os que o amam e que estiveram com ele até ali.

( perfeição 2 )

25.11.09, a dona do chá

A perfeição tem mãos e pés pequeninos. Olhinhos que se escondem e que, de repente, espreitam. Olhinhos doces. A mãe que o embala e que transborda num sorriso de satisfação pelo milagre que se lhe aconchega nos braços. O pai olha, sorri, volta a olhar, preocupa-se, planeia e diz “ter filhos é o maior barato” com olhos brilhantes de orgulho. A irmã que o cerca e que está pronta para o acompanhar num infinito mundo de brincadeiras que ele ainda desconhece. Os avós também sorriem, mas é um sorriso diferente; é um sorriso de alegria por ver a família cada vez maior, cada vez mais bonita.

Agradeço a Deus porque uma pequenina parte da tua perfeição atende pelo nome de Samuel e é meu sobrinho.