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Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

( IMORTAL 2 )

30.03.05, a dona do chá

Vincent Van Gogh, Noite Estrelada

« A hora da partida soa quando

Escurecem o jardim e o vento passa,

Estala o chão e as portas batem, quando

A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando

As árvores parecem inspiradas

Como se tudo nelas germinasse.


Soa quando no fundo dos espelhos

Me é estranha e longínqua a minha face

E de mim se desprende a minha vida. »


Sophia de Mello Breyner Andresen, A Hora da Partida













( QUANDO TUDO CONSPIRA PARA QUE NADA DÊ CERTO )

29.03.05, a dona do chá
Teria sido ideal.

Nós dois e as nossas lembranças e pensamentos. A dádiva do passado, os factos do presente e a esperança no futuro.

Seríamos somente nós os dois. Sem interrupções. Sem telefonemas. O mundo ficaria do lado de fora. Nós os dois.

Teria sido ideal. Nós dois, e os nossos passos lentos e calmos [porque não temos pressa, porque não temos compromisso, porque não temos hora marcada, porque não temos ninguém à nossa espera, finalmente].

Teria sido ideal.

Mas não foi.

( FICÇÕES )

22.03.05, a dona do chá
A vida por um chapéu

Casara ainda menina. Com um homem meia dúzia de anos mais novo que seu pai. Toda a família se opusera. As primas zombaram da velhice do noivo. A mãe implorou que, ao menos, noivasse mais um tempo. O pai refugiou-se num silêncio amargurado. A sua única filha. Herdeira de todo o seu amor. Mas Dalila insistiu. Seis meses depois de conhecer Artur, numa festa de oficiais da marinha, à qual o marido de uma prima pertencia, Dalila entrava na igreja de véu e grinalda com flor de laranjeira.


Durante mês e meio o casal viajara pela Europa fora. Paris, Londres, Berlim, Viena. Em casa, os pais de Dalila recebiam postais relatando o quanto tudo era bonito, os sítios que visitavam, os restaurantes, os cafés, os museus e monumentos. Nas palavras da filha os pais encontraram alguma tranquilidade, as primas inveja. Sentimentos de pouca dura. De regresso da lua-de-mel, Artur comprara uma moradia na zona mais chique da cidade. Dalila decorou-a a gosto, sem objecções económicas por parte do marido.

A vida social de Artur mantinha Dalila ocupada, ora com a organização de jantares ora com a compra de vestidos e chapéus, sem os quais não podia sair de casa. Uma pequena exigência de Artur que entendia que de cabeça descoberta andavam as galdérias. Dalila acedera e sem dizer nada ao marido oferecera dois chapéus à mãe. Para quando saíssem os quatro. Coisa que raramente acontecia, a menos que Artur não pudesse evitar. Não gostava dos sogros.

Quando Dalila engravidou, Artur fê-la prometer que não ia sozinha visitar os pais. A pretexto dos perigos que ao andar na rua poderia correr. Os pais poderiam visitá-los no primeiro Domingo de cada mês, se quisessem. E assim foi. Durante nove meses Dalila pouco saíra de casa. Artur queria-a descansada e passou a frequentar sozinho os eventos sociais para que era solicitado.
As visitas das primas tinham diminuído à custa de uma botique que, com a ajuda dos maridos, tinham aberto na Baixa. Dalila sentia-se sozinha. Pior: inútil. Em tempos, quisera entrar em sociedade no negócio, mais para ter uma ocupação, mas o marido opusera-se. Dalila não contestou. E para se compensar da frustração sentida decidiu que era chegada a hora de ser mãe. Esperou que o nascimento do filho trouxesse um novo fôlego ao casamento. Enganou-se.
Artur não era pai de muitos carinhos. Durante seis anos o menino conhecera apenas os afectos de Dalila. Que se apegara ao filho como o pecador à cruz. A chegada da idade escolar veio cortar o cordão umbilical. Indiferente aos rogos e lágrimas da esposa, Artur inscrevera o filho no Colégio Militar, na capital. Dalila não suportou a dor. Afrontou o marido, ao por em causa o seu direito de agir sobre o filho contra a sua vontade, e a resposta foi dura. Nódoas negras no corpo e secura nas palavras: “A porta da rua é a serventia da casa.” Dalila afrouxara. Sabia que se o deixasse não mais veria o filho. Chegou a pensar refugiar-se em casa dos pais, mas teria de lhes dar conhecimento do sucedido e quis poupá-los à vergonha. Desabafou com as primas que a aconselharam a pedir ao marido que a enviasse uns tempos para as termas. Artur tratou de tudo e Dalila saiu da cidade para um período de repouso.

Contavam-se já mais de trinta dias sobre a ausência de Dalila quando Artur a foi buscar com uma má notícia. O falecimento do pai. De repente, sem que nenhuma doença o afectasse. Sabendo da insatisfação que iria causar ao marido Dalila ousou pedir autorização para a mãe ir viver com eles. Mas a senhora antecipou-se à recusa do genro e rejeitou a oferta. Dalila retomou as visitas quase diárias à mãe.

Artur distanciava-se em afazeres profissionais. Envelhecera bastante e a sua fisionomia assemelhava-se mais à da sogra do que à da esposa. Dalila condescendera de novo à maternidade para diminuir a solidão. Agravada com a notícia de que Artur preparava a mudança do casal para o Ultramar, onde iria ocupar um cargo de maior prestígio na hierarquia militar. A gravidez viera atrapalhar os seus planos. Ao invés de partirem todos juntos. Artur optara por embarcar à frente, deixando Dalila até que parisse na companhia da mãe e o filho no colégio até que pudessem embarcar os três. Dalila nada pudera fazer para contrariar a decisão do marido, não fora tida nem achada. A sua tristeza era grande. Iria perder a mãe, a pouca companhia de quem muito lhe queria, das primas. Pudesse pedir a Deus que a gravidez durasse mais tempo e Dalila não pouparia rezas nem velas, nem os joelhos.

Corria o sétimo mês de gravidez. Dalila estava em casa a bordar o enxoval do bebé quando um oficial da marinha lhe batera à porta. Trazia notícias das colónias. Artur fora mordido por uma cobra. Dalila estava viúva. Ao saber do infortúnio do marido a alegria foi tanta que nem mesmo o seu coração de cristã a pode conter. Saiu apressada de casa. Aligeirou os passos o quanto pode. Só quando entrou em casa da mãe notou que tinha saído sem chapéu.

Andreia Lobo, A Página da Educação

( AS FACES DE ANA )

22.03.05, a dona do chá
não é a vida dela. não é a sua casa. nada alí é seu. o desprendimento podia existir. tudo age em favor disso. acontece que sente uma afeição, uma compaixão, uma solidariedade. o sofrimento, que não é seu, mas ao qual assiste, a afecta.

sente raiva pela sua incapacidade de mudar as circunstâncias.

( NO OUVIDO )

22.03.05, a dona do chá
«Flores para quando tu chegares
Flores para quando tu chorares
Uma dinâmica botânica de cores»


Zélia Duncan

( PREFERÊNCIAS )

17.03.05, a dona do chá

Você e Eu

Podem me chamar
E me pedir e me rogar
E podem mesmo falar mal
Ficar de mal que não faz mal
Podem preparar milhões de festas ao luar
Que eu não vou ir, melhor nem pedir
Eu não vou ir, não quero ir
E também podem me entregar
Até sorrir, até chorar
E podem mesmo imaginar o que melhor lhes parecer
Podem espalhar que eu estou cansado de viver
E que é uma pena para quem me conheceu
Eu sou mais você e eu


Carlos Lyra e Vinícius de Moraes

( ANTÓNIMO )

15.03.05, a dona do chá
um dia tão quente. um dia que faz lembrar a fronteira entre a primavera e o verão. mas eu, aqui, sozinha, sinto tanto frio. já vesti um roupão para afastar esta sensação de abandono.


pensei que hoje seria um dia especial.

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