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Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

Chá de Menta

I am half agony, half hope | Jane Austen

( COPIADO E IDENTIFICADO )

30.12.04, a dona do chá
«E eu passei por uma vitrine e vi uma roupa que ela certamente gostaria, abriria sorrisos. Depois me lembrei que fisicamente, ela não está mais aqui. Primeiro Natal de ausência. Fui dirigindo com aquela saudade no peito e um nó na garganta embalado para presente e laço de fita.»


Sérgio Fonseca, Papel de Pão

( INCOMPLITUDE 2 )

30.12.04, a dona do chá
Por vezes, são palavras, outras vezes, são músicas. Não raras vezes, até mesmo são as sobremesas. Tudo desperta a lembrança.
Penso comigo mesma "a tua mãe ia gostar de tomar um cafezinho aqui", mas calo o meu pensamento para não te avivar ainda mais a lembrança que, eu sei, é e será sempre intensa em teu coração.

( INCOMPLITUDE )

30.12.04, a dona do chá
Existe um grande vazio [Ainda latente].

Mastigámos as nossas lembranças e a nossa dor entre pratos natalícios e doces desnecessários. O vazio era evidente. Simplesmente não estávamos completos.


E nunca mais seremos.

(...)

10.12.04, a dona do chá
«Sente a dor subir sorrateiramente pela parte de trás do pescoço. Fica hirta. Não é só a recordação da dor de cabeça, é o seu medo da dor de cabeça, ambas as coisas tão nítidas e tão fortes que, pelo menos fugazmente, é impossível distingui-las do verdadeiro início da dor de cabeça. Fica muito direita, à espera. Está tudo bem. Está tudo bem. As paredes da sala não oscilam; nada murmura no interior do estuque. Ela é ela mesma, ali parada, com um marido em casa, com criadas, tapetes, almofadas e candeeiros. Ela é ela.»



As Horas, Michael Cunningham

( DIÁLOGO NO FUTURO )

10.12.04, a dona do chá
Filha: Ó mãezinha, a minha avó P. era tão bonita…!
Mãe: Era sim. Mas era mais do que isso, sabes? Era uma mulher com muito carácter.
Filha: Com carácter?
Mãe: Sim, uma mulher honesta, verdadeira e frontal. Não tinha medo de lutar pela verdade das coisas e pela justiça. Enfrentava quem quer que fosse. Amava a Deus, os filhos e o marido e dedicava-se a eles com toda a sua força.
Filha: Queria tê-la conhecido.
Mãe: No dia em que eu e o teu pai casámos ela estava simplesmente linda, fulgurante. A felicidade tornava-a ainda mais bela.
Filha: Será que eu sou parecida com ela?
Mãe: Tens os olhos do teu pai, e os olhos dele eram muito parecidos com os da tua avó. Se perseguires, pela tua vida fora, os princípios de verdade, honestidade e dignidade te aproximarás um pouco daquilo que a tua avó foi neste mundo: uma grande mulher.

( CHÃO VERDE, PELA ÚLTIMA VEZ - 2 )

10.12.04, a dona do chá
- durante




Perdemos a noção dos dias e das horas. Tudo fluía em função do horário de visitas. Tudo girava à volta da prioridade de não deixar a senhora sozinha. Tinha sempre alguém molhando-lhe os lábios, massajando os seus pés e as suas mãos e tranquilizando-a quando ela ficava mais agitada.




O filho esteve muitas madrugadas ao seu lado. Estava sempre ao seu lado. Como se não quisesse que ela fugisse. Como se quisesse fazer algo para retribuir tudo o que ela sempre fez por ele. Podiam-se ler na sua face, quando sem se aperceber fixava-se no infinito, os sentimentos de frustração e de impotência. Distinguia-se um grande “porquê” em cada gesto seu. Eu não podia fazer nada, além de estar em silêncio e atenta.




Perdemos a noção de nós mesmos.

(CHÃO VERDE, PELA ÚLTIMA VEZ)

10.12.04, a dona do chá

- a chegada




Causou-me uma certa estranheza ver que o chão estava ainda mais brilhante do que da última vez. Foi polido ou encerado. Quem entrasse no início no corredor, via aquela longa travessia reluzente. Era um grande contraste, dado que a parte interna do edifício era um tanto obscuro. Não havia grande claridade. Nem se viam muitas pessoas pelo corredor. O que também era um pouco estranho.




Apesar de entendermos que muitas coisas não têm solução, não entrevíamos que os nossos passos naquele indevido chão reluzente não ocorreriam muitas mais vezes. Vivíamos um dia de cada vez, tentando não pensar na tristeza que já nos dominava a todos. Foi um telefonema, no início da noite, que nos arrancou do estado de esperança.




O corredor parecia demasiado longo para conter a ansiedade de ver o rosto ansiado. Não bastasse o frio que fazia naquela região montanhosa, todos estávamos com frio por dentro. O frio do medo. O frio da antecipação da perda. O frio que nos domina as entranhas e não nos larga. Queremos fugir, mas ao mesmo tempo, queremos ficar.




O quarto estava numa semi-escuridão. A senhora – mais combalida que da última vez que a vimos – respira com sofreguidão. O seu peito sobe e desce numa rapidez imprevista. Uma luta travada entre a vontade de respirar e o esforço que isso implicava. Os filhos lhe cercavam a cama, e a senhora abria os olhos muito lentamente, fixavam-se no filho, pareciam presos dentro dos olhos dele. Talvez já com saudades do filho. Talvez a se lembrar de toda a sua infância e seu crescimento. O filho tentava disfarçar a sua tristeza com um olhar repleto de amor. Mas a senhora conhece bem o seu filho. Sabe tudo o que ele pensa e sente. E, de alguma forma, para além da sua dor física, sente-se triste. A senhora tentava falar, mas a sua fala saía incerta e difusa. Os filhos e o marido a entendiam. Era espantoso, mas a entendiam. Havia alturas em que ficava agitada, e o filho acariciava o seu cabelo (já um pouco grisalho) e o seu rosto e dizia “descansa, mãezinha” e ela lhe dizia “ó filho, já muito tenho eu descansado”.




Sei que todos nós pensávamos “já muito tens lutado”