Não nos ensinaram a enfrentar estas situações e, apesar de todas as coisas pelas quais já passamos, esta é uma situação completamente nova. Não sabia como iria reagir. Não sabia como seria ver-te numa cama de hospital. Estava receosa. Tinha medo que as minhas emoções fossem incontroláveis.
Agora sei. Sei que não foi fácil.
Mais uma vez, vi o medo a passar pelos teus olhos. Vi que as tuas esperanças se dissipavam, como se caminhasses por uma estrada sem volta. Ou como se este fosse o início do fim. Eu vi tudo isso nos teus olhos. Sempre foste um misto de familiaridade e mistério. Há facetas tuas que conheço muito bem; palavras, gestos e sorrisos que entendo de imediato o significado. Há alturas, porém, que vejo uma névoa que me oculta pensamentos teus.
A tua voz soía fraca, lenta e cansada. Sei que estiveste a lutar... Sempre foste e sempre serás um lutador. Já passaste por tantas coisas. Já enfrentaste tantos problemas, humilhações e afrontas. És um destemido, meu pai. Admiro a tua força e a tua coragem diante do inusitado. Tens teus defeitos, é inevitável. Mas eu te amo assim.
A primeira coisa que eu fiz quando te vi naquela cama de hospital na U.C.I. foi passar as minhas mãos pelos teus cabelos grisalhos e pelo teu rosto. Sorrir para os teus olhos, transmitir o meu amor de uma forma tranquila, sem te alarmar. E tu me olhaste com tanto carinho... Então disse-te: "Todos mandam beijos para ti, sentem a tua falta e estão a orar por ti". Falei também que o teu filho A. liga todos os dias do Brasil.
Então, colocaste o braço por cima do rosto e, em soluços, começaste a chorar. Quis interromper as tuas lágrimas porque não podias te emocionar. De repente pensei: deves chorar muitas vezes de noite, sozinho neste leito... Olhei para a máquina que estava ao lado da cama e vi as batidas irregulares do teu coração. Lembrei-me de quando era criança e tu me deixavas sentar na parte superior do sofá para eu fazer penteados no teu cabelo, enquanto conversavas com a mãe ou vias televisão.
Tens que quietar o teu coração. Não fiques preocupado, meu pai, está tudo bem. Cuida de ti e não desistas de lutar.
(17/12/03)