Os carros amontoavam-se na rua, as pessoas circulavam apressadas de um lado para o outro e, por vezes, esbarravam-se entre si. A azáfama é natural em todas as quintas-feiras: é o dia de Feira.
No verão, neste dia da semana, a cidade fica ainda mais movimentada. Grande parte das pessoas estão de férias e a passear. Os imigrantes aproveitam para visitar a família e comprar umas lembranças. E também aparecem muitos estrangeiros.
Parece que tudo muda de cor.
A cidade, que costuma ser tão pacata, torna-se imparável. Pelo menos, até ao fim da tarde.
Ela gosta de ver tudo isso da janela. O cenário fica mais real da varanda, do que quando está no meio da multidão. Não sabe explicar a razão.
Ontem, o dia foi diferente dos outros. Choveu. O que modificou um pouco o cenário. As pessoas andavam apressadas. Queriam fugir. A maioria andava sem guarda-chuva, apesar da chuva não ter surpreendido ninguém por aqueles lados. Choveu de madrugada, amanheceu chovendo ainda mais, e manteve-se constante durante todo o dia. Poucas pessoas paravam nos cafés. Muitas pessoas andavam excessivamente agasalhadas. Os carros - esses mantiveram-se fiéis - enchiam as ruas, mas a passos lentos.
De olhos postos na rua, no céu e na chuva ela desceu os degraus que afastam o apartamento da realidade. Utilizou a desculpa de levar o lixo ao contentor. Saiu sem agasalho e sem guarda-chuva. Fechou os olhos, e deixou-se estar. Sentir a chuva.
Sentir o momento.
Levantou os olhos para olhar a sua varanda. Olhou à volta, para ver as pessoas que passavam na rua. Ninguém parecia notá-la. Na realidade, ninguém a notava. Constatou que realmente não fazia parte da multidão. Era como ser invisível. De facto, ela sentia-se invisível. Era como se soubesse intimamente que não pertencia a este mundo.
Por momentos, persistiu uma espécie de peso e de melancolia.
Por momentos somente.
Tudo passa.
Tão depressa surgiu a sensação, como no instante seguinte se extinguiu.
Tal e qual chuva de verão.