Ela lava a loiça e vê o pequeno vaso de flores. Bem pequeno, só tem quatro rosas minúsculas e amarelas. Enquanto faz a sua tarefa rotineira, dá-se conta de que elas estão a secar. Pensa uma de duas alternativas terão acontecido: 1. esta casa não é para plantas e flores, elas falecem; 2. as flores absorveram à ausência de vida que as rodeiam. Lembra de como gosta de plantas e flores. Lembra aquilo que a mãe diz sobre as flores “quero tê-las e recebê-las enquanto for viva, depois de morta não vale a pena”. Entende o que ela diz. Se ela não estiver para recebê-las, para quê servirão? Sim, entendo o seu raciocínio.
Ela, por seu lado, pensa um pouco diferente. Ela gostava de saber que depois de morta e enterrada, plantaram à sua volta um jardim. Queria estar rodeada de flores. Não interessa se o que sobrar dela seja uma carcaça inútil e meia dúzia de cinzas. Para quando alguém passar por lá, ou pela sua carcaça inútil enterrada a sete palmos, pense “tu te lembras dela? gostava tanto de flores!”. Partindo do princípio que alguém lá irá… Talvez não. Ser esquecido talvez não seja tão mal assim. Quando se é em vida, não deve ser muito difícil depois de morto viver com isso… E se for para ser lembrada, ela queria que fosse assim. Ela queria ser lembrada como um sorriso que uma pétala de flor desperta.
A loiça está lavada, o café feito e a vida segue seu rumo. Ao fundo, vê o vidro da janela embaciado e escorrido pela chuva. Vê que ela é assim, como este vaso de flores. Absorveu a ausência de vida. Está ali, de lado. À vista de todos, mas de lado. Só se vão dar conta, quando estiver totalmente morta.
" Quem será a estranha figura
A um tronco de árvore encostada
Com um olhar frio e um ar de dúvida?
Quem se abraçará comigo
Que terá de ser arrancada? "*
*vinícius de moraes